#SAIUNAMÍDIA – Lei não altera o loteamento político de estatais
Notícia publicada dia 06/04/2017 10:32
Elogiada pelo presidente Michel Temer como um “gesto moralizador” na administração pública, a Lei de Responsabilidade das Estatais pode ter fechado as portas para exageros, mas está longe de impedir uma avalanche de indicações partidárias em empresas controladas pela União.
Nos bastidores, a prática de buscar afilhados políticos para o comando das estatais ainda corre solta – tornou-se apenas menos escancarada. Na tentativa de contornar a Lei 13.303, sancionada há nove meses, os partidos da base governista têm recorrido a nomes de perfil aparentemente técnico e que cumprem os principais dispositivos da legislação para emplacar seus aliados. Às vezes, nem há muita preocupação em esconder a origem dos indicados.
Em dezembro, dois técnicos do Ministério dos Transportes com ampla experiência em aviação civil – Fabiana Todesco e Paulo Henrique Possas – deixaram o conselho de administração da Infraero e foram substituídos por pessoas bastante ligadas ao PR, partido do ministro Maurício Quintella. O novo presidente do conselho, Luiz Alberto Albuquerque Souza, era chefe de gabinete do deputado Aelton Freitas (MG); Antônio Hermínio Nascimento da Silva atua como funcionário na liderança do PR na Câmara.
O engenheiro Antônio Claret, que assumiu a presidência executiva da estatal de aeroportos em meados do ano passado, tem mais de três décadas de experiência no grupo de metalurgia Vallourec & Mannesmann. Mesmo com um currículo de respeito, ele só foi alçado ao cargo graças à indicação do ex-deputado Bernardo Santana, homem forte do PR em Minas.
“A lei tornou mais difícil a distribuição de cargos a esmo, mas não é uma bala de prata contra indicações políticas”, afirma o professor Sérgio Lazzarini, especialista em estratégia empresarial do Insper. “A gente já sabia que ela não iria eliminar todos os problemas. Sempre se pode achar algum indicado que atenda seus requisitos”, acrescenta o professor.
Para ele, a nova legislação representa um avanço porque reduz os espaços para ocupação partidária. Abusos e malfeitos, segundo Lazzarini, precisam ser coibidos com investigações e punições. “Infelizmente não é nenhuma lei que conseguirá banir isso.”
Ao comentar a situação de colapso financeiro vivida pelos Correios, o ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, colocou o loteamento de cargos nos últimos anos como um dos motivos para a crise. A divisão, no entanto continuou como praxe depois que o PSD partido fundado e controlado pelo ministro assumiu o comando da empresa postal no início do governo Michel Temer.
Em janeiro, uma liminar da Justiça Federal em Brasília chegou a afastar seis vice-presidentes dos Correios por suposto descumprimento das exigências da nova legislação. O afastamento durou menos de 48 horas, mas reforçou a ideia de que o primeiro escalão da estatal foi rateado entre partidos da base aliada.
Quatro vice-presidências são feudos do PSD: além do próprio Kassab, os deputados Diego Andrade (MG), Fábio Faria (RN) e Antônio Goulart (SP) dividem as indicações. Sobra espaço ainda para o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), a quem se atribui o comando da vice corporativa. Dois parlamentares que contrariam a orientação do PDT e votaram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff também foram agraciados com indicações na cúpula dos Correios: o deputado Mário Heringer (MG) colocou um aliado na área de gestão de pessoas; o senador Telmário Mota (RR), hoje sem partido, tem ascendência sobre encomendas.
Detalhe: três vice-presidentes são servidores de carreira, o que fez passar no crivo da lei, mas só chegaram aos postos de comando por terem se tornado “afilhados” políticos dos parlamentares.
“Os requisitos para dirigentes têm que ser ultrapassados com folga pelos candidatos, e não na base do jeitinho, como o governo aparentemente tem feito”, diz o representante dos trabalhadores no conselho de administração dos Correios, Marcos César Alves Silva. Para ele, o governo não “vestiu a camisa” da nova legislação e afrouxou a cobrança para acomodar indicações da base.
Uma das brechas que têm sido constantemente encontradas para driblar a Lei 13.303 está na experiência de quatro anos, em cargo de comissão ou em função de confiança “equivalente” a DAS-4 no setor público, como um dos possíveis requisitos para dirigentes de estatais. Como lembra Silva, as funções DAS-4 são de média estatura na hierarquia do Poder Executivo e não representam garantia de qualificação dos candidatos a dirigentes. Segundo ele, a palavra “equivalente” na lei tem permitido ao governo fazer malabarismo para colocar seus nomes preferidos em cargos de direção.
No fim do ano passado, a Caixa promoveu mudanças no segundo escalão, tentando seguir um misto de qualificação técnica e indicação política. A regra foi encontrar perfis parecidos com o do próprio presidente, Gilberto Occhi, que é de carreira na instituição financeira, mas bancado no cargo pelo PP. A vice-presidência de riscos, de grande importância para a calibragem de volumes e juros a grandes operações de créditos, saiu da órbita do Ministério da Fazenda como quase sempre ocorria e teve sua indicação feita pelo deputado Pauderney Avelino (DEM/AM). Houve indicações ainda do PMDB, do PSDB, do PRB e do PP.
Outra demonstração de influência política em um posto de comando nas estatais foi dada na segundafeira. O senador Edison Lobão (PMDB/MA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, conseguiu arrancar do governo o apoio para reconduzir seu filho Márcio à chefia da Brasilcap. Ele já presidia a empresa de títulos de capitalização e teve o mandato renovado, mesmo depois de ter sido alvo em fevereiro da Operação Leviatã, um desdobramento da LavaJato. Lobão teria recorrido a Temer para preservar o cargo. (Colaboraram Eduardo Campos, Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto)
Fonte: Valor Econômico