Diretoria é afastada de fundo de pensão dos Correios. Benefícios não serão afetados
Notícia publicada dia 06/10/2017 16:05
Um dos motivos pode ter sido a contabilização de ativos podres no balanço por meio de fundos especiais, dizem fontes
Alvo de denúncias de corrupção, com rombo de mais de R$ 7 bilhões e contas rejeitadas, o fundo de pensão dos Correios, o Postalis, sofreu , nesta quarta-feira, intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). A autarquia afastou a diretoria e os conselhos do maior fundo de pensão do país em número de participantes (418.098) por 180 dias, prorrogável por igual período, alegando descumprimento de normas de contabilização de “reservas técnicas e aplicação de recursos”. Uma comissão de inquérito será criada para apurar possíveis irregularidades e seus responsáveis. Segundo fontes próximas ao Postalis, um dos motivos prováveis para a intervenção foi a contabilização de ativos podres no balanço por meio de fundos especiais.
Em comunicado divulgado na noite desta quarta-feira, o Postalis afirmou que os pagamentos de benefícios, empréstimos e demais serviços aos participantes estão garantidos. E assegurou que o atendimento continuará normal. A entidade tem R$ 10,26 bilhões em investimentos, 13ª maior carteira entre os fundos fechados do país.
Suspeita de rombo maior
Segundo uma fonte graduada da equipe econômica, decidiu-se pela intervenção, que era vista como o último recurso, porque a empresa responsável por auditar as contas do Postalis, a Baker Tilly Brasil MG Auditoria Independente, não aprovou o balanço de 2016. Além disso, apontou indícios de irregularidades nas aplicações em fundos de investimentos. O relatório da auditoria foi concluído no fim de julho. Em agosto, as contas foram rejeitadas pelos conselhos deliberativos e fiscal do Postalis.
“O governo decidiu intervir no Postalis porque a auditoria não certificou o valor dos ativos. A gente acha que o rombo no Postalis pode ser muito maior”, explicou essa fonte.
Em dezembro de 2016, o Postalis criou quatro fundos de investimento do tipo FIDCs-NP (de direitos creditórios não padronizados). Esses fundos reuniam ativos que o Postalis já havia lançado como prejuízo no balanço. Só que, concentrados nesses fundos especializados na recuperação de papéis podres, esses ativos acabaram voltando para o balanço do Postalis como um patrimônio bilionário. Segundo informações disponíveis no site da Comissão de Valores Mobiliares (CVM), os quatro fundos tinham juntos, em agosto, patrimônio de cerca de R$ 1,1 bilhão. Chamados Postalis Distressed, eles são geridos pelas instituições Jive, Cadence e Novero, e administrados pela Intrader.
“Essa política foi alvo de críticas tanto do conselho fiscal como do auditor independente. Eles valiam zero e passaram a valer R$ 1 bilhão, diminuindo o déficit dos planos”, disse uma fonte ligada ao Postalis. “Não se podia atestar que aquele valor era aquele mesmo.”
Essa operação fez o conselho fiscal recomendar, pelo terceiro ano consecutivo, a rejeição das contas. Pela primeira vez, o conselho deliberativo concordou com a rejeição das contas do plano de benefício definido, enquanto aprovou com ressalvas as do plano Postalprev.
Foi nomeado interventor o auditor fiscal da Receita Walter de Carvalho Parente, que já atuou na mesma função entre 2015 e 2016 no fundo do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Segundo O GLOBO apurou, os diretores e conselheiros foram surpreendidos pela decisão da Previc, publicada no Diário Oficial. Até a noite desta quarta-feira, eles não haviam sido notificados sobre a indisponibilidade dos seus bens, prevista em casos como esse e que abrange todos que ocuparam esses cargos nos últimos 12 meses.
“O interventor passou o dia de hoje reunido com os gestores das áreas técnicas para determinar as novas diretrizes e procedimentos a serem seguidos pela entidade”, informou ontem o Postalis.
O próximo passo da intervenção é realizar uma nova eleição de conselheiros. Paralelamente, a Previc criará uma comissão de inquérito para apurar desvios e que, em 120 dias, terá de elaborar um relatório requerendo punições aos responsáveis. As penas incluem inabilitação, suspensão e multa. Se houver indício de crime, o caso é encaminhado ao Ministério Público.
O déficit total do Postalis, incluindo o que já está sendo equacionado, é de cerca de R$ 7,4 bilhões no plano benefício definido. Aproximadamente R$ 1,1 bilhão ainda não está equacionado.
“Se não fossem os FIDCs, esse valor superaria R$ 2 bilhões”, disse uma fonte.
Pensionistas e aposentados do Postalis têm pago contribuição extra de 17,92% para cobrir o déficit. Outra, de 2,73%, estava prevista para este mês.
Para associação, Previc agiu tarde
O déficit acumulado por todos os fundos fechados de previdência complementar foi de R$ 77,6 bilhões até junho, 8,2% mais que os R$ 71,7 bilhões registrados no fim de 2016, informou na quarta-feira a Abrapp, associação que reúne as entidades. Desse rombo, 88% se concentraram em dez grandes fundos, entre eles Previ, Petros, Funcef e o próprio Postalis. Na Petros, dos funcionários da Petrobras, a expectativa é que o déficit atuarial do principal plano atinja R$ 27,7 bilhões no fim deste ano.
O Postalis já foi alvo de vários escândalos. Em 2014, foi revelada uma fraude de R$ 250 milhões relacionada à compra de dívidas de Argentina e Venezuela, o caso foi investigado pela CPI dos Fundos de Pensão. Em junho deste ano, André Motta, então presidente do Postalis, renunciou após ser acusado por um ex-executivo da Andrade Gutierrez, em delação premiada da Lava-Jato, de ter recebido propina em nome de Rogério Rosso (PSD-DF).
Segundo integrantes da Associação de Dirigentes Eleitos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, o ato da Previc veio tarde. “Se tivesse agido lá atrás, tinha evitado muita coisa”, afirmou um integrante da associação.
A entidade vê um vácuo legal para definir em que situações a intervenção se enquadra. O ato está previsto na lei complementar 110/2001, mas não foi regulamentado. Ou seja, o governo pode intervir, em tese, desde no descumprimento do envio de um relatório, até em uma situação de insolvência, disse um interlocutor.
A associação também reclama da falta de transparência por parte da Previc e lembra que alguns fundos estão sob intervenção há anos, sem qualquer definição, como o Capaf (dos funcionários do Banco do Amazonas), o Portus (das companhias Docas) e o Eletroceee.
“O efeito pedagógico da intervenção se perde porque a Previc não dá publicidade ao ocorrido e às medidas adotadas para solucionar o problema”, disse um dirigente de fundo de pensão.
Para o presidente da Abrapp, Luis Ricardo Martins, a maior preocupação é com os beneficiários do “Se está acontecendo alguma coisa que levou à intervenção, como fica o contribuinte? Isso tem que ser esclarecido.”
A presidente da Associação dos Profissionais dos Correios, Maria Inês Capelli Fulginiti, considerou a decisão técnica: “Não se trata, por enquanto, de insuficiência de reserva e liquidez do plano.”