#SaiunaMídia: Disputa no fundo dos Correios atinge Meirelles e assessor
Notícia publicada dia 26/12/2017 11:10
Os Correios são palco de uma disputa intestina no PSD desencadeadora da queda de dois diretores e de uma denúncia de suborno em um projeto de 850 milhões de reais, como revelou CartaCapital. O clima ali é de guerra. A diretoria tem planos que parte dos funcionários não aceita e boicota. Tentou, sem sucesso, domesticar conselheiros do fundo de pensão da estatal, o Postalis.
Agora estilhaços da batalha atingem uma estrela do PSD, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o secretário-executivo dele, Eduardo Guardia. O motivo? A intervenção federal no Postalis, um dos maiores fundos do País, com 130 mil participantes, 10 bilhões de reais de patrimônio e rombo bilionário. Uma intervenção a colecionar nos últimos dias uma tentativa de suborno e uma gravação clandestina.
Um dos dois diretores afastados do Postalis acusa a cúpula da Fazenda de tramar a intervenção para favorecer gente do sistema financeiro. “A intervenção foi ilegal. Ela atende os interesses do BNY Mellon e da Bovespa”, afirma Luiz Alberto Barreto, ex-diretor administrativo e financeiro do fundo e ex-candidato a deputado estadual pelo PTdoB de Minas Gerais em 2014. “O Meirelles é defensor dos bancos, foi do BankBoston, e o Guardia era da Bovespa.”
Sediado em Nova York, o banco BNY Mellon é um dos maiores administradores de grana alheia do planeta. Em 2010, foi contratado pelo Postalis para ajudar a gerenciar investimentos, mas as partes agora brigam nos tribunais. Há seis processos do fundo contra o banco, a cobrar 5 bilhões de reais.
Uma das ações já chegou ao Superior Tribunal de Justiça, onde os gringos tiveram uns 400 milhões de reais bloqueados. O desfecho da intervenção é decisivo para o futuro das ações.
Ela é comandada pela Previc, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar, cujos diretores foram nomeados por Meirelles em portarias de legalidade questionada no Ministério Público Federal e no Tribunal de Contas da Uniãopor uma das associações de funcionários dos Correios, a Adcap. Barreto era presidente da Adcap e chegou a diretor do Postalis eleito por ela.
A Adcap foi à Justiça com uma ação civil pública e na terça-feira 19 conseguiu uma liminar que suspende a intervenção. Uma liminar comemorada pelo presidente dos Correios, Guilherme Campos, ex-deputado pelo PSD, o partido de Meirelles. Se a liminar não for derrubada, Barreto e o presidente afastado do Postalis, Cristian Schneider, voltarão aos cargos.
A Bovespa também tem interesse nos rumos da intervenção, para saber se precisará se preocupar com o surgimento de uma concorrente. Esse rival, a “Nova Bolsa”, é outro assunto milionário e bota em cena um empresário, Arthur Pinheiro Machado, de relações com o PMDB, partido controlador político do Postalis no passado recente.
O projeto de criar um rival da Bovespa, no início com apoio da Bolsa de Nova York, é de 2010, época de domínio peemedebista no Postalis. É liderado por Machado. O principal capitalista do projeto é o Postalis, que botou uns 200 milhões de reais na Americas Trading Group, aberta por Machado para emplacar a “Nova Bolsa”.
Em valores atuais, a cota do Postalis na ATG é de 319 milhões de reais. Como o dinheiro do Postalis é decisivo, sem o fundo, adeus “Nova Bolsa”. E aí gente bem relacionada na política perderá dinheiro, ficará com um “mico” na mão. Caso de Machado.
Em um sigiloso documento sobre a intervenção no Postalis, a Previc diz que o fundo deveria pular fora da “Nova Bolsa” e aceitar que a verba injetada ali não volta. Esses investimentos, afirma o texto, “estão contabilizados por valores irreais e deveriam estar provisionados para perdas”.
Machado não encontra boa vontade na Previc, para quem já mandou um e-mail a salientar que não era processado nem investigado. A Bolsa de Nova York pulou fora do projeto, mas Machado não desistiu dele. Embora não haja hoje nenhum pedido de criação da “Nova Bolsa” apresentado à Comissão de Valores Mobiliários, a CVM. O que foi apresentado em 2013 morreu em 2016. Melhor para a Bovespa. E para Guardia?
Até se tornar o número 2 da Fazenda, Guardia era diretor da Bolsa paulista. Sua assinatura está em uma procuração de 22 de abril de 2016 na qual a Bolsa dava poderes a advogados para defendê-la no Cade, o tribunal antitruste, no processo de fusão com a Cetip, companhia onde acontece a liquidação de negócios no mercado acionário.
A fusão foi aprovada em março passado, mas o Cade deu várias alfinetadas na Bovespa. “A entrada de concorrentes no mercado de bolsa tem se mostrado difícil, demorada, beirando o impossível”, escreveu a relatora, Cristiane Alkmin, “a BVMF (Bovespa) pode ter exercido seu poder de mercado como monopolista verticalizada para afastar possíveis concorrentes.”
Em Brasília, há quem diga que Guardia, já na Fazenda, fez lobby com a relatora para arrancar a fusão, com telefonemas. Ele “nunca tratou do tema com Cristiane Alkmin ou qualquer outra pessoa do governo”, segundo a assessoria de imprensa do ministério.
O suposto lobby é um enredo até recatado perto da tentativa de suborno do interventor no Postalis por parte do BNY Mellon. Processado por 5 bilhões de reais pelo fundo, o banco topa pagar 1,2 bilhão e, para conseguir um acordo nesse valor, ofereceu 6 milhões, 0,5% daquela quantia, ao interventor, o auditor fiscal da Receita Federal Walter de Carvalho Parente.
A oferta, que o BNY obviamente nega, foi relatada por Parente primeiro ao diretor de fiscalização da Previc, Sérgio Taniguchi, e depois ao Ministério Público Federal. Além de depor, ele entregou provas ao MPF, que abriu uma investigação.
Parente contou a história no Conselho de Administração dos Correios em 26 de outubro, conforme registrado em ata. E ainda falou por aí. Numa dessas conversas, foi gravado sem saber. Por obra de qual trincheira na guerra dos Correios? O interventor acha que foi uma pessoa de nome Sandro, que era assessor do presidente afastado do Postalis, Cristian Schneider.
CartaCapital obteve o áudio. “Ontem, o cara me chamou lá no Rio de Janeiro para negociar esses créditos que a gente (o Postalis) tem lá… O cara logo querer me comprar?”, afirma Parente. Segundo ele, o subornador teria dito: “Rapaz, é tanto (de crédito do Postalis), mas pode sobrar meio por cento (para você)”.
Parente foi notificado extrajudicialmente por Luiz Alberto Barreto para explicar o episódio. O diretor afastado do Postalis parece desconfiar de que, se o BNY tentou subornar, era por achar que conseguiria.
Queria saber o nome do porta-voz da oferta (o “cara” seria um advogado), a circunstância do ocorrido, se o fato foi comunicado à polícia – se não foi, seria “prevaricação” – e à Ordem dos Advogados do Brasil. Nada de resposta.
Há outra forma de salvar o BNY Mellon no rolo com o Postalis. Se a intervenção decidir fechar um dos dois planos de benefícios colocado à disposição dos carteiros, o fundo não terá mais como cobrar o banco na Justiça.
O encerramento do chamado BD é outra suspeita da diretoria afastada do Postalis como ação sob medida da Fazenda e da Previc para o banco gringo. “Não trabalhamos com a hipótese de liquidar esse plano”, diz Taniguchi, da Previc. Em nota, a assessoria do Ministério da Fazenda afirmou que a pasta “nunca opinou sobre esta ou qualquer outra intervenção” e que “a Previc é autônoma”.
A ideia do interventor é municiar o MPF para processar o BNY por causar perdas ao Postalis. Em conversa na quarta-feira 13 com o dissolvido Conselho Fiscal do fundo, Parente comentou que o Ministério Público acionará o banco.
Esses conselheiros afastados reprovaram as contas do Postalis de três anos seguidos, de 2014 a 2016. Indicados na maioria no governo Dilma Rousseff, apoiam a intervenção. Chegaram a pedi-la à Previc.
No fim de 2016, a Previc botou lupa no fundo. Em agosto de 2017, abriu oficialmente uma investigação e constatou uma manobra contábil que fez surgir 1 bilhão de reais no balanço, suficiente para ocultar prejuízos. Em 3 de outubro, em reunião virtual da diretoria, decidiu intervir, de olho no futuro dos trabalhadores detentores de planos de aposentadoria.
Em 2015, Barreto e a Adcap eram a favor da intervenção, e a Previc não via motivo, como dizia Taniguchi em setembro daquele ano a uma CPI dos Fundos de Pensão a funcionar na época na Câmara. Hoje a situação se inverteu. Como diretor afastado, Barreto tem os bens bloqueados.
Aquela CPI, aliás, tem histórias saborosas sobre personagens interessados nos rumos da intervenção. Arthur Machado, o da “Nova Bolsa”, pagou 9 milhões de reais, a pedido do então presidente da Câmara, o corrupto condenado Eduardo Cunha, para protegidos do PMDB no Postalis não serem chamados à CPI. É o que disse o criminoso doleiro Lúcio Funaro em sua delação deste ano.
Na CPI, ficou claro que a dívida cobrada do BNY pelo Postalis é objeto de negociações obscuras. As duas partes negociaram um acordo nos bastidores da CPI – normal numa Casa à época comandada por Cunha, para quem política é negócio. Dos 5 bilhões que lhe são cobrados, o BNY topava pagar a espantosa quantia de… 95 milhões.
Será por isso que o deputado Sergio Souza, do PMDB do Paraná, um cunhista de última hora, estocou o banco no relatório final da comissão? Mesmo com a contratação do BNY pelo fundo de pensão dos Correios, diz o documento, “não houve melhora no desempenho financeiro do Postalis”, e hoje a relação está em um “impasse” que “só beneficia uma das partes”, o banco, que ainda embolsa grana do contratante.
No governo Michel Temer, os Correios tornaram-se um feudo do PSD do ministro Gilberto Kassab, e os dirigentes do Postalis apadrinhados pelo partido priorizaram a disputa com o BNY Mellon.
Em maio, o então presidente do fundo, André Motta, o então diretor de investimentos, Cristian Schneider, e o então diretor-financeiro dos Correios, Francisco Arsênio de Mello Esquef, voaram a Washington para reunir-se com parlamentares e autoridades americanos para falar mal do BNY, em uma campanha de lobby para arranhar a imagem do banco. Na comitiva, estava o deputado Evandro Roman, do PSD do Paraná.
Um mês depois, Motta renunciava ao cargo, acusado em delação de um ex-executivo da Andrade Gutierrez de pedir propina no passado para o deputado Rogério Rosso, do PSD do Distrito Federal, um dos vice-líderes de Temer na Câmara. Para seu lugar no comando do fundo foi deslocado Schneider, presidente do PSD de Londrina, partido pelo qual talvez se candidate a deputado em 2018.
Schneider também está com os bens bloqueados. Foi afastado com Luiz Alberto Barreto, quando da intervenção em outubro. Roman é autor na Câmara de um decreto legislativo que anula a intervenção. Velho colaborador do presidente dos Correios, Guilherme Campos, que é ex-deputado pelo PSD, Esquef também não está mais no cargo, abatido na disputa intestina a trazer à tona a denúncia de fraude dos 850 milhões de reais revelada por CartaCapital.
Por que o empenho do PSD no pepino com o BNY Mellon? Republicanismo? Descobertas da Operação Greenfield, que investiga fundos de pensão, às quais a reportagem teve acesso, indicam que não.
Na gestão Campos, os Correios planejam negociar vários de seus imóveis. Seu centro de distribuição no Rio de Janeiro, por exemplo, mudaria do bairro de Benfica para o de Campo Grande. Um negócio de uns 2 bilhões de reais. Quem financiaria a operação? O Postalis. Com que dinheiro? De um acordo com o BNY Mellon. Com comissão para alguém, quem sabe caixa 2 na campanha de 2018? Provavelmente.
Desse tipo de negócio estava encarregado o ex-diretor de Administração dos Correios Paulo Roberto Cordeiro, um caixa informal do PSD. Esquef seria cumpridor de igual papel para Campos, quis se meter nas ideias de Cordeiro, houve briga, e este acabou demitido por ordem de Kassab.
O degolado reagiu com a denúncia de fraude no contrato de 850 milhões planejada com a empresa Nexxera. Consta que ele hoje sonha alto: quer voltar à estatal e ficar com a vaga de Campos. Será que sua cobiça é tanta que se podem esperar novos capítulos na guerra dos Correios?
A propósito: Campos que se prepare para mais uma. Vem aí uma intervenção no Postal Saúde, o convênio dos carteiros.
Fonte: Carta Capital