Anotações de lobista preso por fraudes em fundos de pensão indicam pagamento a ministro de Temer
Notícia publicada dia 17/04/2018 16:35
Pasta no celular de Milton Lyra indica repasses a partidos e a Alexandre Baldy
BRASÍLIA — Anotações encontradas pela Lava-Jato no celular do lobista Milton Lyra, preso na semana passada sob suspeita de irregularidades no fundo de pensão Postalis (dos funcionários dos Correios), indicam suspeitas de pagamentos ao ministro das Cidades, Alexandre Baldy (PP), repasses a partidos políticos e diversas referências a encontros com autoridades públicas e empresários, como uma agenda com o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco (PMDB). O material inédito, obtido com exclusividade pelo GLOBO, revela que o alcance da influência política do lobista vai muito além do PMDB, partido ao qual ele é normalmente associado.
A documentação foi localizada em uma pasta do celular de Lyra que guardava anotações curtas de texto — rascunhos feitos por ele no dia a dia. Está sob análise dos investigadores da Lava-Jato na Procuradoria-Geral da República, que vão apurar se há outras provas que permitam confirmar as suspeitas iniciais que aparecem nas anotações. O material é valioso para as investigações porque indica o tamanho e a potência de uma delação premiada do lobista.
Nos arquivos do celular de Lyra há diversas referências a siglas e valores que ainda estão sendo destrinchadas pelos investigadores. Sobre partidos
políticos, as anotações não deixam dúvidas de que o lobista registrava informações ligadas a repasses financeiros, embora não seja possível
explicar a sua relação com tais transações financeiras somente por meio das mensagens obtidas no aparelho. “Imposto 20/” é o título do arquivo, que
traz os seguintes números: “PMDB – 550; PT 550; PDT 550 – 50 = 500 e PP 500”. A data deste documento é de agosto de 2013. A Polícia Federal já havia encontrado indícios, na agenda física do lobista, de que ele atuou para obter doações da Engevix ao PMDB de Alagoas em 2014, ou seja, trabalhou como intermediário de repasses de uma empresa ao partido.
ATUAÇÃO EM ÓRGÃOS PÚBLICOS
A referência mais explícita no celular é ao ministro das Cidades, Alexandre Baldy, com quem Lyra tinha relação próxima. Um registro doaparelho do
lobista sugere a realização de seis repasses ao político. “Baldy. Conta corrente 6x 450”. O arquivo é de março de 2013. À época, Baldy era secretário de Indústria e Comércio do governo de Goiás, só se elegendo deputado federal no ano seguinte. O ministro também aparece em uma foto
tomando vinho com Lyra na adega da casa do lobista. A imagem estava salva no celular dele, com data de 31 de janeiro de 2015. Ouvido pela reportagem, Baldy afirmou que tinha uma “boa relação” com o lobista e que esteve na sua casa “duas ou três vezes”. Disse que se conheciam porque seus filhos estudaram na mesma escola, mas negou ter feito qualquer transação financeira com Lyra.
— Não tenho ideia. Nunca tive nada com ele. Se (o dinheiro) foi pra mim, eu vou te falar que não chegou. Podia até ligar pra ele reclamando. Infelizmente ou felizmente, não chegou — disse o ministro.
Questionado pela reportagem, Baldy afirmou que não se considera amigo de Milton Lyra, apesar dos encontros que tiveram:
— Olha, tinha uma boa relação, mas não me considerava amigo dele não. Minha filha estudava com a a filha dele, mas não tinha amizade com ele
não. Tínhamos uma relação de pais de alunos que estudavam juntos. Cheguei a ir a casa dele umas duas ou três vezes, mas acho que ele nunca
frequentou a minha.
O arquivo do celular do lobista mostra que sua atuação passava por vários setores da economia e órgãos da administração pública, como a Caixa Econômica Federal, Infraero, planos de saúde e energia. Lyra tinha relação próxima com a empreiteira Engevix e prestava serviços para ela, principalmente por causa da participação acionária que a empresa detinha na Inframerica, concessionária do aeroporto de Brasília — essa participação foi vendida em 2015. Uma das anotações aponta: “Engevix 500. 250. 250”, sem explicar qual seria o destino dos valores. Outro arquivo detalha o endereço de um dos executivos da empreiteira, Gerson Almada, para um possível encontro. Almada atualmente está preso após condenação em segunda instância na Lava-Jato.
Em outra anotação, Milton Lyra detalha um roteiro para obter uma liberação financeira da Caixa Econômica Federal e sugere que era necessário
pressionar o então presidente do banco, Jorge Hereda, e o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Pressão Hereda / Mantega”, escreveu.
O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, é outro personagem que aparece nos apontamentos do celular de Lyra. Em uma agenda com
compromissos para a semana de 9 de fevereiro de 2015, ele cita nominalmente “Moreira Franco”, sem dar detalhes do assunto tratado. Até dezembro do ano anterior, o peemedebista havia comandado a Secretaria de Aviação Civil e acompanhou o processo de concessões aeroportuárias, assunto de interesse do lobista. Por meio de sua assessoria de imprensa, Moreira Franco afirmou “que conhece Milton Lyra, mas que nunca teve
agenda oficial nem extraoficial com ele”. Disse também que na época não ocupava cargo público, sendo apenas presidente da Fundação Ulysses
Guimarães, do PMDB.
No material há ainda citações ao senador peemedebista Renan Calheiros, de quem Lyra era próximo. Os dois acabaram se afastando após se tornarem
alvos da Lava-Jato. Uma anotação de abril de 2016, cujo título era “Amizade com Renan”, cita o nome da mulher do peemedebista, Verônica, e traz uma queixa em relação a ele: “Renan é conhecido por não ajudar os amigos”.
Outras anotações trazem a sigla RC junto com valores financeiros — os investigadores querem saber se são referências a repasses ao senador. Por
meio de sua assessoria, Renan afirmou “que nunca teve operador, que não tem absolutamente nada a ver com essa anotação e que a ilação forçada
quanto a seu nome é extremamente irresponsável”. Afirmou que se encontravam em eventos sociais, mas não tinham negócios.
ANOTAÇÕES SOBRE VACCARI E PALOCCI
O círculo de relações do lobista também incluía nomes da cúpula do PT, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e o ex-ministro Antonio
Palocci. Em agosto de 2012, Lyra anotou: “Marcar jantar com Vacari (sic)”. Em fevereiro do ano seguinte: “Pendência Palocci”. Em
outubro: “Eletro. Palocci. 25% de reajuste. Amanhã sai novo edital”, uma referência à sua atuação no setor elétrico. Em abril de 2013, ele
anotou em seu celular o telefone de André Vargas, ex-deputado pelo PT. Todos os três estão presos em decorrência das investigações da
Lava Jato.
Como envolve políticos com foro privilegiado, o material do celular de Milton Lyra está sob análise dos investigadores da Procuradoria-Geral da
República. Atualmente, o lobista é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal sob suspeita de intermediar repasses ilícitos do fundo de
pensão Postalis ao senador Renan Calheiros e a outros políticos. Lyra foi preso na quinta-feira da semana passada, por ordem do juiz Marcelo Bretas,
da Justiça Federal do Rio, sob suspeita de atuar em fraudes no Postalis em conjunto com o empresário Arthur Pinheiro Machado. O lobista também é
alvo de investigações na Justiça Federal em Brasília, sob suspeita de outras irregularidades em investimentos feitos pelo Postalis e, em um segundo
caso, sob acusação de integrar o chamado “quadrilhão” do PMDB do Senado.
Procurado pela reportagem, o advogado de Lyra, Pierpaolo Bottini, afirmou que “a defesa ainda não teve acesso a tais informações, mas apresentará as explicações e esclarecimentos necessários tão logo obtenha a íntegra dos documentos”. A defesa também protocolou um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 2ª Região pedindo a soltura do lobista, sob o argumento de que ele não mantém mais relações societárias com Arthur Machado nem participa mais das empresas que receberam recursos do Postalis.
Fonte: O Globo